A expressão nasceu entre economistas que se apropriaram de uma lendária propaganda da Orloff, como o mote “eu sou você .... amanhã”, para fazer comparações entre países distintos, se popularizando na relação Brasil – Argentina. Confesso que uma de minhas preocupações no momento, ao olhar para a tragédia política no Rio de Janeiro, é um efeito orloff interno. Imagine que, em algum momento no futuro, todos os outros estados podem atingir o mesmo nível de deterioração política.
Você deve saber que, dentre todos os governadores eleitos no Rio desde a democratização, apenas Leonel Brizola e Marcelo Alencar não foram presos, embora Witzel não tenha se mantido em detenção. É um resumo assustador de um descalabro político-social inimaginável em um país decente.
É cada vez mais difícil para um observador atento, estabelecer limites entre o legal, o estado e a contravenção ou entre a polícia e a milícia. Basta uma rápida checagem nos históricos para perceber que bandidos cansaram de financiar e eleger representantes e resolveram eles próprios se apropriarem do poder e se, por enquanto, ainda não ocupam integralmente o primeiro patamar, está flagrante que, seguindo o exemplo histórico da relação entre bicheiros e escolas de samba, conseguem desfilar nos tapetes vermelhos dos Palácios e ocupar, cada vez mais, espaços de poder no executivo, legislativo e, como dá mais trabalho, no judiciário entenderam ser mais eficaz contratar parcerias e sentenças.
Assim como na relação morro e asfalto, outrora distante e hoje totalmente integrados, política e bandidos vivem em simbiose perfeita, assim como milícia e polícia, todos em sintonia criminosa que deixa atônicos a parcela consciente da população. Por tempos frequentando o Espírito Santo, com informações que chegam de várias direções, sinto uma possibilidade real de que o efeito orloff exija que outros estados precisem olhar para o descalabro carioca e repitam a célebre frase.
Quando faço uma leitura atenta aos dados das eleições municipais, com inacreditáveis 81% de reeleição, observo uma relação direta entre distribuição de emendas e prefeitos reeleitos e quando recebo a informação de que são muitos os assistentes de parlamentares que trabalham com empresas de “consultoria”, em paralelo com suas funções públicas, junto tudo em um mosaico macabro que descortina os caminhos da corrupção no Brasil e fico estarrecido ao perceber que nem isto assombra a sociedade brasileira.
Uma conclusão óbvia salta aos nossos olhos; dinheiro público garante a perenização da classe política. Prefeitos que aceitam as regras do jogo se garantem por oito anos e deputados que se libertam das amarras partidárias e jogam com agressividade, segundo as regras tortuosas do centrão, serão reeleitos seguidamente até que se atrevam a voos maiores, onde não há vagas para todos na classe executiva.
Traço uma linha ainda mais agressiva, ao tangenciar outra questão; a inanição dos municípios que os leva a mendigar recursos estaduais e federais, como taboa de salvação única para salvar a credibilidade de seus mandatos que os coloca como dependentes das benesses dos deputados que compram munição para suas bazucas eleitorais na lojinha do Congresso ou dos ministérios, da mesma forma que olhamos para outro lado e vemos, Bolsonaro ou Lula, quem já foi ou quem vem pela frente, se submetendo, por amor à sobrevivência política, ao mesmo jogo que esvazia cofres públicos para azeitar máquinas eleitorais de grupos políticos.
Que se exploda a dívida pública, o equilíbrio fiscal, porque sempre haverá uma pedalada irreverente que assim como fez Robinho coloque o adversário sem ação ou reação. Meritocracia ou definição técnica não combina com pragmatismo político e como tem eleição a cada dois anos, não dá para fazer o certo porque só o urgente define votos de uma população que acredita em fakes e não tem discernimento para enxergar fora da caverna dos mitos que se sucedem que mudam de forma e de lado, mas não de essência.
Assisto um combativo Flavio Dino repetir Miguel de Cervantes porque aos olhos da população combate “moinhos de vento”, como o personagem Dom Quixote, sem que percebam que não há nada de intromissão indevida do Supremo, demonizado por ações excessivas, mas retilíneo em muitas defesas da dignidade e do erário público. Emendas secretas, ou de qualquer outro subterfúgio, são como rotas de contrabando que todos conhecem mais ninguém consegue combater.
Mais uma vez repito um mantra; com as atuais regras, jamais teremos decência e reeleição convivendo no mesmo pleito. É preciso ser intransigente; ou teremos reeleição ou renunciamos à ética e vamos nos juntar à fantasia e combater as pás dos moinhos porque terá a mesma eficácia no combate à corrupção, ou seja, nenhuma!
Assim como a totalidade dos brasileiros, adoro passear no Rio, mas não o quero reproduzido em cada quintal dos brasileiros. Talvez eles precisem prender mais dez governadores, cassarem mais uma centena de deputados, condenarem mais milhares de lessas e queirós, peças diferentes e complementares do mesmo jogo de xadrez, onde o peão lessa, apoiado pelo bispo e pelo cavalo do legislativo, protege o rei e a rainha do executivo, para conseguir resgatar a moralidade.
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